Publicado por: Unknown terça-feira, 3 de junho de 2014




Projeto "Voz Lírica" - dos alunos de Licenciatura Plena em Letras/espanhol da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Recitado pelo docenteAntony Cardoso Bezerra
Disciplina: Tradições Líricas da Literatura portuguesa
Orientador: Antony Cardoso Bezerra



"Desastre"

Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito, 
Soltando fundos ais e trêmulos queixumes; 
Caíra dum andaime e dera com o peito, 
Pesada e secamente, em cima duns tapumes. 

A brisa que balouça as árvores das praças, 
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados, 
E dentro eu divisei o ungido das desgraças, 
Trazendo em sangue negro os membros ensopados. 

Um preto, que sustinha o peso dum varal, 
Chorava ao murmurar-lhe: "Homem não desfaleça!" 
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça, 
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral. 

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Findara honrosamente. As lutas, afinal, 
Deixavam repousar essa criança escrava, 
E a gente da província, atônita, exclamava: 
"Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!" 

Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos; 
Mornas essências vêm duma perfumaria, 
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos, 
Numa travessa escura em que não entra o dia! 

Um fidalgote brada e duas prostitutas: 
"Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!" 
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas 
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro. 

Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer, 
De bagas de suor tinha uma vida cheia; 
Levava a um quarto andar cochos de cal e areia, 
Não conhecera os pais, nem aprendera a ler. 

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O mísero a doença, as privações cruéis 
Soubera repelir - ataques desumanos! 
Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos 
Andara a apregoar diários de dez-réis. 

Anoitecera então. O féretro sinistro 
Cruzou com um coupé seguido dum correio, 
E um democrata disse: "Aonde irás, ministro! 
Comprar um eleitor? Adormecer num seio"? 

E eu tive uma suspeita. Aquele cavalheiro, 
- Conservador, que esmaga o povo com impostos -, 
Mandava arremessar - que gozo! estar solteiro! - 
Os filhos naturais à roda dos expostos...


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