Publicado por: Unknown quinta-feira, 22 de maio de 2014

A PELEJA DO CEGO ADERALDO COM ZÉ PRETINHO
Cego Aderaldo- (Aderaldo Ferreira de Araújo)



Apreciem meus leitores
Uma forte discussão
que tive com Zé Pretinho
Um cantador do sertão
O qual no tanger do verso
Vencia qualquer questão

Um dia determinei
A sair do Quixadá
Uma das belas cidades
Do estado do Ceará
Fui até ao Piauí
Ver os cantores de lá

Hospedei-me em Pimenteira
Depois em Alagoinha
Cantei em Campo Maior
No Angico e na Baixinha
De lá tive um convite
Pra cantar na Varzinha

Quando cheguei na Varzinha
Foi de manhã bem cedinho
Então o dono da casa
Me perguntou sem carinho:
Cego, você não tem medo
Da fama de Zé Pretinho?

Eu lhe disse: Não senhor
Mas da verdade eu não zombo
Mande chamar esse preto
Que eu quero dar-lhe um tombo
Ele vindo um de nós dois
Hoje há de arder o lombo

O dono da casa disse:
Zé Preto pelo comum
Dá em dez ou vinte cegos
Quanto mais sendo só um;
Mandou ao Macumanzeiro
Chamar José do Tucum

Chamou um dos filhos e disse
Meu filho, você vá já
Dizer a José Pretinho
Que desculpe eu não ir lá
E ele como sem falta
À noite venha por cá

Em casa do tal Pretinho
Foi chegando o portador
Foi dizendo: Lá em casa
Tem um cego cantador
E meu pai manda dizer
Que vá tirar-lhe o calor



A partir daqui, dê o play no vídeo abaixo:


Zé Pretinho respondeu:
- Bom amigo é quem avisa
Menino, dizei ao cego
Que vá tirando a camisa
Mande benzer logo o lombo
Que eu vou dar-lhe uma pisa

Tudo zombava de mim
Eu ainda não sabia
Que o tal José Pretinho
Vinha para a cantoria
Às cinco horas da tarde
Chegou a cavalaria

O preto vinha na frente
Todo vestido de branco
Seu cavalo encapotado
Com um passo muito franco
Riscaram de uma só vez
Todos no primeiro arranco

Saudaram o dono da casa
Todos com muita alegria
O velho bem satisfeito
Folgava alegre e sorria
Vou dar o nome do povo
Que veio pra cantoria

Vieram o capitão Duda
Tonheiro Pedro Galvão
Augusto Antônio Feitosa
Francisco Manuel Simão
Senhor José Carpinteiro
Francisco e Pedro Aragão

O José da Cabeceira
E seu Manuel Casado
Chico Lopes, Pedro Rosa
E Manuel Bronzeado
Antônio Lopes de Aquino
E um tal de Pé Furado

José Antônio de Andrade
Samuel e Jeremias
Senhor Manuel Tomás
Manduca João de Ananias
E veio o vigário velho
Cura de três freguesias

Foi dona Meridiana
Do grêmio das professoras
Essa levou duas filhas
Bonitas e encantadoras
Essas eram da igreja
As mais exímias cantoras

Foi também Pedro Martins
Alfredo e José Raimundo
Senhor Francisco Palmeira
João Sampaio Secundo
E um grupo de rapazes
Do batalhão vagabundo

Levaram o negro pra sala
E depois para a cozinha
Lhe ofereceram um jantar
De doce, queijo e galinha
Para mim veio um café
Com uma magra bolachinha

Depois trouxeram o negro
E colocaram no salão
Assentado num sofá
Com a viola na mão
Junto a uma escarradeira
Para não cuspir no chão

Ele tirou a viola
Dum saco novo de chita
E cuja viola estava
Toda enfeitada de fita
Ouvi as moças dizendo:
Grande viola bonita!

Então para me sentar
Botaram um pobre caixão
Já velho desmantelado
Desses que vem com sabão
Eu sentei, ele envergou
E me deu um beliscão

Eu tirei a rabequinha
Dum pobre saco de meia
Um pouco desconfiado
Por está em terra alheia
Ouvi as moças dizendo:
Meu Deus, que rabeca feia!

Um disse a Zé Pretinho:
A roupa do cego é suja
Botem três guardas na porta
Para que ele não fuja
Cego feio assim de óculos
Só parece uma coruja

Dissera o capitão Duda
Como homem mui sensato
Vamos fazer uma bolsa
Botem dinheiro no prato
Que é mesmo que botar
Manteiga em venta de gato

Disse mais: eu quero ver
Pretinho espalhar os pés
E para os dois cantores
Tirei setenta mil réis
Mas vou inteirar oitenta
Da minha parte dou dez

Me disse o capitão Duda
– Cego, você não estranha
Este dinheiro do prato
Eu vou lhe dizer quem ganha
Pertence ao vencedor
Nada leva quem apanha

Nisto as moças disseram:
Já tem oitenta mil réis
Porque o capitão Duda
Da parte dele deu dez
Se encostaram a Zé Pretinho
E botaram mais três anéis

Então disse Zé Pretinho:
De perder não tenho medo
Este cego apanha logo
Falo sem pedir segredo
Tendo isto como certo
Botou os anéis no dedo

Afinemos os intrumentos
Entremos em discussão
O meu guia disse a mim:
O negro parece o cão
Tenha cuidado com ele
Quando entrar em questão

Eu lhe disse: seu José
Sei que o senhor tem ciência
Parece que és dotado
Da Divina Providência
Vamos saudar o povo
Com a justa excelência

P- Sai daí, cego amarelo
Cor de ouro de toucinho
Um cego da tua forma
Chama-se abusa vizinho
Aonde eu botar os pés
Cego não bota o toucinho

C- Já vi que seu Zé Pretinho
É um homem sem ação
Como se maltrata outro
Sem haver alteração
Eu pensava que o senhor
Possuísse educação

P- Esse cego bruto hoje
Apanha que fica roxo
Cara de pão de cruzado
Testa de carneiro mocho
Cego, tu és um bichinho
Que quando come vira o cocho

C- Seu José, o seu cantar
Merece ricos fulgores
Merece ganhar na sala
Rosas e trovas de amores
Mais tarde as moças lhe dão
Bonitas palmas de flores

P- Cego, creio que tu és
Da raça do sapo sunga
Cego não adora a Deus
O Deus de cego é calunga
Aonde os homens conversam
O cego chega e resmunga

C- Zé Preto não me aborreça
Com o teu cantar ruim
O homem que canta bem
Não trabalha em verso assim
Tirando as faltas que tem
Botando em cima de mim

P- Cala-te cego ruim
Cego aqui não faz figura
Cego quando abre a boca
É uma mentira pura
O cego quanto mais mente
Inda mais sustenta a jura

C- Esse negro foi escravo
Por isso é tão positivo
Quer ser na sala de branco
Exagerado e ativo
Negro da canela seca
Todo ele foi cativo

P- Dou-te uma surra
De cipó de urtiga
Furo-te a barriga
Mais tarde tu urra
Hoje o cego esturra
Pedindo socorro
Sai dizendo: eu morro
Meus Deus que fadiga
Por uma intriga
Eu de medo corro…

C- Se eu der um tapa
Num negro de fama
Ele come lama
Dizendo que é papa
Eu rompo-lhe o mapa
Lhe rasgo de espora
O negro hoje chora
Com febre e com íngua
Eu deixo-lhe a língua
Com um palmo de fora

P- No sertão eu peguei
Um cego malcriado
Danei-lhe o machado
Caiu eu sangrei
O couro eu tirei
Em regra de escala
Espichei numa sala
Puxei para um beco
E depois dele seco
Fiz mais de uma malha

C- Negro és monturo
Molambo rasgado
Cachimbo apagado
Recanto de muro
Negro sem futuro
Perna de tição
Boca de porão
Beiço de gamela
Venta de moela
Moleque ladrão

P- Vejo a cousa ruim
O cego está danado
Cante moderado
Eu não quero assim
Olhe pra mim
Que sou verdadeiro
Sou bom companheiro
Cante sem maldade
Eu quero a metade
Cego, do dinheiro

C- Nem que o negro seque
A engolideira
Peça a noite inteira
Que eu não lhe abreque
Mas este moleque
Hoje dá pinote
Boca de bispote
Venta de boieiro
Tu queres dinheiro
Eu dou-te chicote

P- Cante mais moderno
Perfeito e bonito
Como tenho escrito
Cá no meu caderno
Sou seu subalterno
Embora estranho
Creio que apanho
E não dou um caldo
Te peço, Aderaldo
Reparta do ganho

C- Negro é raiz
Que apodreceu
Casco de judeu
Moleque infeliz
Vai pra teu país
Senão eu te surro
Dou-te até de murro
Tiro-te o regalo
Cara de cavalo
Cabeça de burro

P- Fala doutro jeito
Com melhor agrado
Seja delicado
Cante mais perfeito
Olhe, eu não aceito
Tanto desespero
Cante mais maneiro
Com versos capaz
Façamos a paz
Reparta o dinheiro

C- Negro careteiro
Eu rasgo-te a giba
Cara de guariba
Pajé feiticeiro
Queres dinheiro
Barriga de angu
Barba de quandu
Camisa de saia
Te deixo na praia
Escovando urubu

P- Eu vou mudar de toada
Para uma que mete medo
Nunca achei um cantor
Que desmanchasse esse enredo
É um dedo é um dado é um dia
É um dia é um dado é um dedo

C- Zé Preto este teu enredo
Te serve de zombaria
Tu hoje cegas de raiva
O diabo será teu guia
É um dia é um dado é um dedo
É um dedo é um dado é um dia

P- Cego respondestes bem
Como se estivesse estudado
Eu também de minha parte
Canto verso aprumado
É um dedo é um dado é um dia
É um dia é um dedo é um dado

C- Vamos lá, José Pretinho
Que eu já perdi o medo
Sou bravo como o leão
Sou forte como o penedo
É um dedo é um dado é um dia
É um dia é um dado é um dedo

P- Cego agora puxa uma
Das tuas belas toadas
Para ver se essas moças
Dão algumas gargalhadas
Quase todo o povo ri
Só as moças estão caladas

C- Amigo José Pretinho
Eu não sei o que será
De você no fim da luta
Porque vencido já está
– Quem a paca cara compra
A paca cara pagará

P- Cego, estou apertado
Que só um pinto no ovo
Estás cantando aprumado
E satisfazendo ao povo
Este seu lema da paca
Por favor cante de novo

C- Digo uma e digo dez
No cantar não tenho pompa
Presentemente não acho
Quem o meu mapa rompa
Paca cara pagará
Quem a paca cara compra

P- Cego, teu peito é de aço
Foi bom ferreiro que fez
Pensei que o cego não tinha
No verso tal rapidez
Cego, se não for massada
Repita a paca outra vez

C- Arre com tanta pergunta
deste negro capivara
Não há quem cuspa pra cima
Que não lhe caia na cara
– Quem a paca cara compra
Pagará a paca cara

P- Agora cego me ouça
Cantarei a paca já
Tema assim é um borrego
No bico de um carcará
Quem a cara cara compra
Caca caca Cacará

Houve um trovão de risadas
Pelo verso do Pretinho
O capitão Duda disse:
Arrede, pra lá negrinho
Vai descansar teu juízo
O cego canta sozinho

Ficou vaiado o Pretinho
Aí eu lhe disse: me ouça
José, quem canta comigo
Pega devagar na louça
Agora o amigo entregue
O anel de cada moça

Desculpe José Pretinho
Se não cantei a seu gosto
Negro não tem pé, tem gancho
Não tem cara tem é rosto
Negro na sala de branco
Só serve pra dar desgosto

Quando eu fiz estes versos
Com a minha rabequinha
Procurei o negro na sala
Já estava na cozinha
De volta queria entrar
Na porta da camarinha.



E para fechar com chave de ouro, 
a homenagem de Luiz Gonzaga ao Cego Aderaldo:


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